O remake de Speak No Evil troca a tensão sombria do original por uma narrativa mais voltada à ação e um tom levemente cômico. Embora as mudanças no final possam desagradar fãs, o filme ainda oferece uma abordagem única a um novo público.
Um remake de Speak No Evil (‘Não Fale o Mal’), apenas dois anos após a estreia do original, parecia, à primeira vista, um movimento desnecessário. A princípio, o filme segue um caminho familiar, replicando muitos elementos da primeira versão, deixando o espectador com uma sensação de déjà vu. Mas ao contrário do que muitos poderiam antecipar, o longa se destaca ao incorporar elementos novos e inesperados, oferecendo uma abordagem diferenciada ao gênero. Esse elemento inesperado, aliado ao trabalho excepcional de James McAvoy, resulta em um thriller surpreendente, que vale a pena ser visto.
Entre fronteiras culturais e tensões silenciosas
O longa se destaca pela exploração do choque cultural e das tensões interpessoais. A trama gira em torno de um casal dinamarquês que, ao aceitar um convite para passar um fim de semana com uma família holandesa conhecida durante um feriado, se vê imerso em uma dinâmica desconfortável e crescente. O filme se sobressai por sua habilidade em criar uma atmosfera de tensão e desconforto. A abordagem física e invasiva dos personagens, com toques e gestos constantes, contribui para a construção dessa tensão. As bandeiras vermelhas que o casal Ben e Louise ignora ou minimiza apenas intensifica o desconforto e a sensação de ameaça iminente. A ideia de que esses comportamentos podem ser apenas uma característica da “cultura europeia” acrescenta uma camada de complexidade e suspense, tornando o filme uma análise aprofundada das dinâmicas sociais e das fronteiras culturais.
O poder do elenco
O elenco é fundamental para o sucesso do filme, e cada atuação contribui significativamente para a construção da tensão e do desconforto que permeiam a trama. Scoot McNairy, conhecido por sua habilidade em papéis complexos, se destaca ao interpretar um personagem que é, ao mesmo tempo, vulnerável e enredado em suas próprias inseguranças. Mackenzie Davis também oferece um ótimo desempenho, navegando com facilidade entre momentos de vulnerabilidade e uma fachada mais sólida. Sua capacidade de oscilar entre a fragilidade e a determinação é um fator que aumenta ainda mais o envolvimento do espectador. Além disso, Dan Hough, o jovem ator que interpreta Ant merece destaque por sua atuação silenciosa e impactante. Ele enfrenta o desafio de conduzir a trama sem palavras, e sua capacidade de comunicar emoções e intenções por meio de expressões e ações é impressionante.
A força motriz por trás do filme
McAvoy, sem dúvida, deve ser lembrado como um dos principais atores da sua geração. Ele consegue carregar um filme nas costas, e aqui repete isso. Sua interpretação é tão impactante que, em algumas cenas, o desconforto que ele transmite não chega ser assustador, mas cria uma sensação tangível de tensão e estranheza, refletindo perfeitamente o estado emocional do outro casal. Ele encarna um personagem que é o ápice do carisma e do mistério, similar a Josh Hartnett em ‘Armadilha‘. Sua atuação transforma o que poderia ser uma mera repetição de uma fórmula conhecida em uma experiência verdadeiramente cativante. Ele é a força motriz por trás da tensão prolongada e ansiosa que permeia a narrativa. O equilíbrio entre o drama com um toque de humor sombrio permite que ele esculpa uma identidade própria para seu personagem.
Refletindo sobre limites
Em nenhum momento o filme se torna monótono, já que McAvoy domina cada cena com uma presença cativante. O terror aqui é mais sutil, sem grandes explosões de violência ou mortes impactantes, salvo pelo clímax final. No entanto, a força da narrativa está na forma como ela nos faz refletir sobre até que ponto permitimos que os outros ultrapassem nossos limites, tudo sob o pretexto de sermos educados e de mente aberta. A direção aborda esse tema através da lente da masculinidade tóxica, com uma abordagem mais tradicional, revelando como inseguranças profundas, especialmente no caso do personagem de Scoot, o levam a ignorar os sinais de alerta. Ele é atraído pelo que Paddy simboliza, reforçando a principal lição do filme: os perigos de não estabelecer limites claros e evitar confrontos necessários.
Um remake com identidade própria
O primeiro filme foi definitivamente perturbador e tenso, sombrio à sua maneira. Já o remake resgata aquele estilo de thrillers dos anos 90, transformando a tensão niilista do original em uma narrativa mais voltada para a ação, com um tom menos sombrio e até mais cômico. Para quem viu o original, as mudanças no final e o ajuste de tom podem desagradar, mas fazem sentido para o público que a Blumhouse mira. O original, com seu labirinto psicológico e crescente desconforto, focava em personagens covardes e patéticos no último ato, o que era intencional. Já na versão americana, há um arco onde o instinto de sobrevivência fala mais alto. No entanto, ambos os filmes encontram seus próprios caminhos e conseguem coexistir, cada um oferecendo algo único: um niilismo desconfortável no original e uma conclusão mais satisfatória no remake.