James Gunn transforma Superman em um herói mais humano e emocionante, com forte inspiração nos quadrinhos e visual deslumbrante.
Pelos trailers, era esperado que o filme mostrasse alguns dos elementos visuais mais conhecidos dos quadrinhos. Mas a verdade é que a produção é ainda melhor do que isso. O novo Superman é, do começo ao fim, um filme pensado para funcionar no cinema, sem abrir mão da energia, das emoções e do simbolismo das HQs.
A alma dos quadrinhos
A presença da Fortaleza da Solidão já nos primeiros minutos reforça essa conexão com os quadrinhos. Diferente das versões mais atualizadas vistas em produções como Homem de Aço e no Snyderverse, aqui a representação da fortaleza se aproxima da estética de Superman: O Filme e Superman Returns. A ambientação branca e azulada do Ártico é belíssima, com o vermelho saturado do uniforme em contraste, ressaltando o Superman como figura central da cena. Uma composição visual que já deixa claro: esse é um retorno às origens.
Olhar humano para um herói alienígena
Ao invés de apresentar um protagonista já em ação, cruzando o céu com sua capa, Gunn opta por planos fechados. Logo no início, a câmera se aproxima do rosto do herói, revelando suas emoções em detalhes e criando um ponto de vista mais íntimo para o público. O filme não se apoia exclusivamente em combates épicos e longos. Trata-se de um roteiro focado em amadurecimento, identidade e escolhas. Essa recusa em seguir a fórmula clássica dos filmes de super-herói se torna seu maior trunfo. O diretor, ao invés de tentar reinventar a história, a torna mais verdadeira. Temos um protagonista que enfrenta o medo. Ele lida com a tristeza da perda e tem uma grande responsabilidade. Tudo isso sem deixar de ser profundamente humano.
Lex Luthor: inveja e manipulação como armas
Está clara a inspiração em diversas histórias em quadrinhos clássicas do herói, o que resultou numa direção artística que exibe um estilo aquarelado, semelhante às ilustrações de Tim Sale. Uma dessas inspirações é ”Superman for All Seasons”, publicado em 1999. A história apresenta uma interpretação intensamente emocional do personagem. É justamente daí que nasce um dos pilares dramáticos do filme: a relação entre Superman e Lex Luthor.
O terceiro capítulo do quadrinho explora o ressentimento, a inveja e a obsessão de Luthor com o herói. No filme, essa mesma perspectiva é utilizada para construir o antagonista. Ele é impulsionado pela inveja, o medo do desconhecido e por sua necessidade de controle. Nicholas Hoult entrega uma atuação forte, que transmite o lado mais arrogante, ambiciosa e obcecado do personagem.
De protagonista forte a personagem caricatinha
Lois Lane também ganha destaque. Com uma interpretação impecável de Rachel Brosnahan, a personagem supera o papel de interesse amoroso. Ela desempenha um papel ativo na narrativa, com um faro jornalístico apurado e uma influência essencial no progresso da história. Existe uma escolha narrativa que compromete um pouco a excelência do filme: uma das personagens femininas é caracterizada por um perfil estereotipado, quase caricatural, fazendo referência à imagem da loira ingênua e emocionalmente instável. Apesar disso, o impacto negativo dessa escolha é mínimo e não compromete o conjunto da obra.
A marca autoral de James Gunn
O diretor é conhecido por transformar o estranho em estilo. Desde suas produções independentes até as grandes produções da Marvel, sua marca é clara: personagens excêntricos, humor ácido, violência estilizada e uma estética que combina o grotesco com o pop. No entanto, sua maior habilidade está em comover. Seus personagens são imperfeitos, quebrados, e é justamente aí que vive sua beleza.
Em Superman, isso também acontece. Mesmo com todo o humor e ação, o filme é intimamente emocional. As sequências impactantes e o aspecto obscuro não são minimizados. Porém, essas escolhas sempre têm um propósito narrativo. Aqui, mesmo o kryptoniano, tradicionalmente visto como perfeito, é retratado como alguém cheio de dúvidas, medos e inseguranças. Ele é, finalmente, alguém com quem podemos nos identificar.
Ao assumir a responsabilidade de reestruturar o Superman para o cinema, James Gunn entrega uma versão otimista, emocional e visualmente deslumbrante, sem deixar de lado sua assinatura pessoal. E assim, o personagem mais clássico dos quadrinhos ganha nova vida com a humanidade que sempre mereceu.