Apesar das reações negativas nas redes, o longa protagonizado por Abel Tesfaye entrega uma jornada visual e emocional que fecha com ousadia a trilogia musical do cantor
Hurry Up Tomorrow foi lançado logo após o novo álbum de estúdio de The Weeknd, servindo como uma extensão visual da obra musical. A produção, estrelada por Abel Tesfaye, Jenna Ortega e Barry Keoghan, ganhou os holofotes das redes sociais, mas não da maneira que se esperava. O título tem sido massacrado por críticas negativas e baixas avaliações, dividindo o público entre o desprezo e a confusão. Mas será que o filme é realmente tão desastroso assim, ou só foi visto com as lentes erradas?
Conflito emocional dividido em luz e sombras
A primeira cena já entrega a proposta do filme: uma introspecção artística disfarçada de narrativa. Ele encara o espelho, mas também encara quem está assistindo. É um reflexo direto da mente do artista, em crise, mergulhado em insônia e dúvidas. A direção aposta em um visual hipnótico, com contrastes fortes entre luz e sombra, e torna a experiência quase desconfortável, mas necessária para mergulhar no universo proposto.
O uso contínuo de tons vermelhos e azuis resulta em um ambiente sufocante, denso e ornamentado. A fotografia é, sem dúvida, um dos pontos altos do filme, traduzindo emoções como angústia, obsessão e perda por meio de esquemas de luz. Esta paleta aumenta a inquietação mental do personagem principal, proporcionando simultaneamente um espetáculo visual impressionante.
Entre o real e o imaginário
O filme brinca o tempo todo com a linha tênue entre ficção e realidade. Um dos pontos mais intensos é a quase recriação de um momento real: o colapso vocal de The Weeknd durante a turnê After Hours Til Dawn. A cena traduz o peso de um acontecimento na carreira do artista. Além disso, está alinhada ao roteiro, tornando o episódio em uma das peças fundamentais para o final.
Ao contrário do que muitos esperavam, Hurry Up Tomorrow não é um musical no formato tradicional, nem um álbum visual. As músicas aparecem como parte orgânica do ambiente: tocam no rádio, em caixas de som, ou surgem como trilha incidental. Dessa forma, não tira o foco da interpretação e entrega uma imersão mais sutil e sensorial no álbum. As canções não interrompem sempre a história, mas a sustentam por dentro.
Um espelho da crítica e do público
As falas de alguns personagens são provocações diretas à trajetória de Abel: “você não devia atuar, você é só bom em música”. Elas funcionam como metacríticas, reencenando o julgamento que o próprio cantor enfrentou ao tentar ampliar sua presença no audiovisual.
Em umas das cenas finais, o personagem é amarrado em uma cama, com os braços abertos como numa crucificação. O longa atinge um ponto simbólico: é o momento em que o artista é simultaneamente adorado e destruído. Uma metáfora visual sobre o peso da fama, a pressão da criação e o julgamento público, em uma explosão de caos e ironia.
Encerramento de um ciclo
“Hurry Up Tomorrow” encerra a trilogia iniciada com After Hours (2020) e continuada em Dawn FM (2022). O longa representa o fim não só de uma história, mas também de uma fase importante da carreira de The Weeknd. Carregado de referências aos álbuns anteriores, o filme reapresenta músicas conhecidas com novos significados e momentos de reflexão. Um exemplo é a icônica “Blinding Lights”. Em uma das cenas, o cantor aparece desorientado em uma balada, cercado por flashes giratórios e luzes estroboscópicas que dificultam sua visão. A trilha de fundo traz um trecho de “Until We’re Skin & Bones”, do novo álbum. Mais tarde, a música é mencionada e analisada por uma das personagens. A cena funciona como uma referência direta ao verso “I’m blinded by the lights“, agora com uma nova carga simbólica.
Filme que exige envolvimento
Talvez o maior erro tenha sido como o projeto foi divulgado. Vendido como um filme comercial, o público que não acompanha a trajetória artística e conceitual, pode acabar completamente perdido ou até entediado. A estrutura, o ritmo e os simbolismos não são de fácil digestão para quem espera uma narrativa tradicional. Porém, para os fãs ou para quem já mergulhou nos álbuns anteriores do cantor, Hurry Up Tomorrow se transforma em uma peça essencial de um quebra-cabeça maior.