“Obrigado, Rapazes” | Foto: Divulgação
“Obrigado, Rapazes” é um dos filmes pré-selecionados pela Itália, como candidato a representar o país na categoria “Melhor Filme Internacional“, no Oscar 2024. E para quem assiste ao longa, fica muito fácil entender porquê.
O filme é uma adaptação italiana da película francesa “A Noite do Triunfo” (2020) e se baseia livremente na história real de Jan Jönson, um ator sueco que dirigiu um grupo de presidiários em 1985 numa performance de “Esperando Godot“.
“Obrigado, Rapazes” começa leve. Seus cortes e transições são muito naturais, geralmente com uma cena propondo uma pergunta ou necessitando de mais contexto, e a próxima a respondendo logo em seguida. É simples e é agradável de acompanhar. O roteiro, que teve participação do diretor Riccardo Milani, também flui muito bem; nos diálogos, ninguém fala demais ou de menos, é tudo sempre na medida certa e com pitadas de astúcia que prendem a atenção.
Uma cena específica, logo no começo do filme, é completamente hilária. Nela, o ator Antonio Albanese, que interpreta o personagem Antonio, entrega uma interpretação que muito lembra à de Rowan Atkinson em seu stand-up de comédia, onde após fazer algo completamente bizarro (e engraçado), seu personagem age como se nada tivesse acontecido, com apenas algum pequeno gesto o “denunciando”.
Os dois primeiros mais Christian (Gerhard Koloneci) são detentos, que se inscrevem para as aulas de teatro de Antonio, ministradas no centro de detenção. Após uma mudança obrigatória no elenco, Diego entra na companhia, enfrentando oposição de Laura, diretora do presídio, por ser considerado perigoso.
Durante as aulas, Antonio identifica uma visceralidade única na forma como seus alunos atuam e é aí que surge uma ideia brilhante: fazê-los interpretar “Esperando Godot“, peça de teatro escrita pelo aclamado dramaturgo irlandês Samuel Beckett.
Antonio trabalha de uma forma inteligente com seus atores, identificando seus pontos de dificuldade e trabalhando neles, a fim de fortalecer o resultado final, que é a grande apresentação que eles devem fazer em um teatro no centro da cidade.
Um dos fatores mais interessantes no longa é como a narrativa vai se transformando, aos poucos, na própria peça Godot. O uso desse tipo de recurso não é nada novo no cinema; filmes como “Cisne Negro” já o utilizaram antes, mas para que funcione bem, é necessário um profundo conhecimento da obra de origem, o que “Obrigado, Rapazes” demonstra ter de sobra.
Aliás, todos os trechos de Beckett mostrados no longa são tão estimulantes que até quem não conhece a obra do dramaturgo se pega curioso e querendo descobrir mais a respeito.
Outro ponto-chave sãoos dilemas morais que ele apresenta ao espectador. À medida que o filme vai avançando e mais performances de Godot vão acontecendo, os atores melhoram suas performances, e nós vamos também conhecendo um pouco mais sobre eles e suas vidas, eles vão sendo humanizados.
Deveriam ser soltos? Se sim, só porque são talentosos? Isso não apaga os crimes que cometeram… Deveriam ter acesso a regalias só porque escolheram atuar? Pessoas em centros de detenção são tratadas de fato como pessoas ou “perdem” sua humanidade à partir do momento em que a cela é fechada?
Estes e muitos outros questionamentos são feitos através da narrativa, inclusive alguns mais filosóficos, como os próprios que Beckett sugere em sua peça, os quais o filme busca trazer à luz e fazer o espectador refletir a respeito. Tudo isso é feito com muita perspicácia, já que a comédia não tira a seriedade de certas cenas, mas lhe confere um ar um pouco mais descontraído e palatável em outras.
Ainda assim, alguns pontos do roteiro poderiam receber uma atenção maior, para que a história ficasse mais completa. Como, por exemplo, mais profundidade na hora de explorar a relação de Antonio e sua filha; e termos flashbacks do passado, do início da carreira de Antonio, falta de oportunidades empregatícias como ator, e/ou da primeira vez que ele participou de uma produção de Godot.
O ator-transformado-diretor também fica consideravelmente relutante em dar as aulas no início, e sua transição em ser um super engajado no projeto ocorre no piscar de uma cena para a outra, o que atrapalha a história, visto que se poderia haver uma linha temporal mais realista.
De toda forma, o filme é tão envolvente que é até difícil escrever sobre ele, principalmente após assistir seu “ato final”. Nele, quando as cortinas imaginárias fecham e tudo é esmaecido, descobrimos que no fundo todos nós esperamos por Godot, durante os últimos 117 minutos. Mas que ele não apareceu e nem aparecerá, pois esta não é a natureza dele.
“Obrigado, Rapazes” é um dos 32 filmes que estão disponíveis para assistir tanto online quando presencialmente no Festival de Cinema Italiano. Recentemente, analisamos outros longas do festival como “Ainda Temos O Amanhã“, “A Sombra de Caravaggio“, “A Última Vez Que Fomos Crianças” e “A Última Noite de Amore“.
Grazie, (per il film) ragazzi!