EROS busca explorar o universo do motel como espaço de afeto e vulnerabilidade, mas falha em manter o espectador engajado com relatos confusos, ritmo irregular e um amadorismo que mais atrapalha do que ajuda.
Com distribuição da Fistaile, EROS chega aos cinemas, cercado de curiosidade. Dirigido por Rachel Daisy Ellis, propões uma ideia chamativa: documentar diversas vivencias em motéis brasileiros, locais tão representativos, mas pouco debatidos com profundidade. Com o próprio título remetendo ao desejo e à intimidade, a diretora propõe o que define como um “pornô existencial”, convidando casais, trios e pessoas solo a se filmarem com o celular durante uma noite e compartilharem seus relatos. A proposta é simples e potente. O problema é que o resultado entrega mais frustração do que provocação.
Começo promissor que desperta interesse
A abertura do filme é eficaz: uma câmera tremida acompanha um carro entrando discretamente em um motel. É uma introdução que simboliza bem a proposta íntima do projeto, colocando o espectador como cúmplice silencioso. O uso do autorregistro, com vídeos captados pelos próprios participantes, reforça a ideia de naturalidade e espontaneidade. A princípio, essa escolha parece certeira. O olhar cru, sem polimento técnico, nos leva para o interior da experiência dos retratados. Mas essa crueza logo se transforma em um problema que o filme não consegue resolver.
As imagens gravadas em formatos variados, ora na vertical, ora na horizontal, sem qualquer padrão, dificultam a imersão. A falta de cuidado visual passa do charme estético para a confusão prática. Trechos escuros demais, áudios imprecisos e cortes desorganizados fazem o público se desconectar facilmente. A ausência de qualquer tipo de mediação narrativa, como uma direção mais ativa ou ao menos perguntas orientadoras, cria um vácuo em que muitos participantes simplesmente divagam sem rumo. Falta condução, falta amarração, falta um olhar mais firme.
Relatos desconexos e sem profundidade
O maior trunfo de EROS deveria ser justamente os relatos íntimos e potentes. No entanto, o que temos são falas que muitas vezes ensaiam alguma reflexão mais profunda, mas nunca chegam a lugar algum. Há casais em que uma pessoa fala muito enquanto a outra mal reage, criando uma dinâmica estranha e pouco envolvente. Em alguns momentos, fica evidente que um dos lados está desconfortável, gerando um constrangimento que se transmite diretamente para o público. A promessa de explorar as relações humanas, o prazer e a afetividade se dissolve em conversas que não se sustentam.
Diversidade de corpos e vivências é o ponto alto
Apesar dos tropeços, é preciso reconhecer os méritos. O filme se destaca ao apresentar uma galeria diversa de corpos, sotaques e formas de viver a sexualidade. Não há filtros, não há tentativa de idealização. Vemos pessoas comuns, com suas inseguranças, seus desejos e suas formas únicas de se relacionar. Há casais heterossexuais e homoafetivos, relações não monogâmicas, fetiches, jogos de poder, introspecção. Essa variedade é valiosa, e talvez seja o único elemento que realmente sustenta o documentário até o fim. Mesmo assim, fica a sensação de que muito foi desperdiçado por falta de estrutura narrativa.
Momentos constrangedores e oportunidades perdidas
A falta de equilíbrio nos depoimentos prejudica ainda mais a experiência. Um dos casos mais desconfortáveis envolve um rapaz que convida uma acompanhante de luxo para um encontro e monopoliza a conversa com longos monólogos sem foco, ignorando a presença e a voz da mulher ao seu lado. O que poderia ser uma troca interessante sobre diferentes realidades vira uma espécie de desabafo exaustivo e unilateral. Em outro momento, vemos um trisal com fetiches religiosos, que entrega mais impacto visual do que conteúdo. As situações se acumulam, mas não se conectam. Tudo parece jogado, como se estivéssemos assistindo arquivos soltos em um pen drive perdido.
Final solitário e sem catarse
A sequência final, com uma pessoa sozinha explorando questões de autoconhecimento e prazer solitário, tenta devolver alguma densidade ao filme. Mas a essa altura o público já está desgastado pela falta de coesão dos segmentos anteriores. O encerramento soa mais como um epílogo forçado do que como uma conclusão emocional. O que poderia ser uma grande metáfora sobre o isolamento, o desejo e o corpo, acaba se perdendo em frases vagas e uma estética abstrata que pouco comunica.
EROS tinha tudo para ser um marco no cinema documental brasileiro. O tema é forte, a proposta é ousada, a abordagem parecia promissora. Mas o filme tropeça em sua própria liberdade e acaba refém de um material que precisava de mais direção, mais edição e mais escuta. A ideia de deixar os participantes livres para se expressar é válida, mas liberdade criativa não significa ausência de curadoria. O resultado é um mosaico desorganizado de relatos que não se aprofundam, e que em vez de provocar reflexão ou empatia, deixam somente a sensação de oportunidade perdida.