Se a vida fosse um espetáculo, os valores seriam os roteiros que definem o caráter de cada indivíduo. Em meio aos desafios que nos cercam, é inevitável que esses valores sejam testados, instigando debates entre diferentes pontos de vista, às vezes até dentro da nossa própria mente. “Instinto Materno” é um filme que habilmente provoca essas reflexões, desafiando o espectador a sentir uma empatia profunda pelas personagens enquanto, ao mesmo tempo, se vê confrontado pelas próprias convicções.
Inspirado na obra de Barbara Abel, “Instinto Materno” surge como uma das adaptações cinematográficas mais aguardadas de 2024. Com Anne Hathaway e Jessica Chastain no elenco, o filme entrega atuações que elevam a narrativa a novos patamares, explorando temas que vão desde as relações familiares até os desafios do machismo, e, é claro, os extremos desencadeados pelo vínculo materno.
Sob a direção de Benoît Delhomme, a trama se desdobra em torno de duas mães, Alice e Céline, cujas vidas seguem o padrão tradicional de donas de casa, imersas na ilusão de uma perfeição aparente: casas bem cuidadas, maridos bem-sucedidos, e filhos na flor da idade. Essa harmonia bruscamente se interrompe por um acidente envolvendo seus filhos, o que deixa ambas as famílias marcadas de maneira inesperada e irreversível.
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O desenrolar da narrativa
Ao longo da trama, o machismo estrutural da época se manifesta nos pequenos detalhes, influenciando a mente das personagens, mesmo que isso não justifique a série de atrocidades que se desenrolam. Essa crítica social, embora não tão aprofundada, é relevante considerando o contexto histórico do filme (ainda que em 2024 pouco tenha mudado).
Após os eventos iniciais, o enredo apresenta uma série de dilemas que desafiam o espectador a escolher um lado, enquanto critica como uma sociedade pode virar-se contra alguém em determinadas circunstâncias.
As cenas iniciais ganham ainda mais significado, revelando um roteiro bem elaborado, onde cada detalhe foi planejado. Mesmo com elementos comuns de um filme de suspense, a trama envolve e surpreende, trabalhando bem seus 94 minutos. Ela se desenrola como uma peça teatral em dois atos, cada uma oferecendo uma percepção distinta de todos os envolvidos.
Partindo desta divisão em dois atos, enquanto o primeiro é rico em detalhes e estabelece a atmosfera de forma impecável, infelizmente, o segundo ato parece um pouco apressado, com eventos que ocorrem rápido demais. O roteiro facilita bastante a maneira como uma das protagonistas sai de certas situações, criando a sensação de que muito do que ela faz é excessivamente fácil de fazer.
O mais perturbador é que essa percepção parece ocorrer apenas entre os espectadores. Uma vez que os personagens do filme aceitam passivamente os acontecimentos sem grandes questionamentos. O desfecho do filme reserva reviravoltas que mantêm o espectador à beira da cadeira, desperto e ansioso por respostas. Alguns eventos parecem ocorrer de maneira absurdamente improvável, levantando questionamentos de “como isso é possível?”. Contudo, a tensão e a atenção do filme permanecem intactas, cativando até o último momento.
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Conclusão
Em um mundo onde os valores se chocam e as circunstâncias podem transformar até mesmo os mais estáveis, “Instinto Materno” nos lembra das complexidades humanas. Ele desafia o espectador a questionar suas próprias convicções. Embora o segundo ato possa parecer apressado, as reviravoltas finais mantêm a tensão até o último momento. Isso proporciona uma conclusão que pode não satisfazer a todos, mas certamente mantém o público entretido até os minutos definitivos.
“Instinto Materno” estreia em 28 de março nos cinemas de todo o Brasil.