A obra oferece um retrato humano de Sebastião, explorando sua vida e carreira, destacando-o como uma lenda cultural e símbolo de resistência no cinema.
Em tempos em que se contava o dinheiro em ‘contos de réis‘ e os valores humanos se perdiam entre sombras do preconceito, surgiu no palco da vida um rapaz de 1,5 metro de altura, pequeno na estatura, mas imenso na alma. E foi assim, com passos firmes e um brilho que ofuscava o mundo ao redor, que ele se tornou um gigante eterno, conhecido para sempre como “Grande Otelo“. Sebastião Bernardes de Souza Prata foi um dos mais importantes artistas do Brasil. Nascido em Uberlândia, em 1915, e falecido em 1993, deixando sua marca no cinema, teatro e televisão brasileira.
Transformando lutas em brilhantismo
Em “Othelo, O Grande”, somos convidados a explorar as raízes do cinema brasileiro por meio da trajetória extraordinária de um homem que, apesar de enfrentar tribulações, incluindo o racismo estrutural que permeava o Brasil em boa parte de sua carreira, nunca deixou que essas barreiras apagassem seu brilho. Pelo contrário, Otelo transformou a dor em arte, erguendo-se como um ícone ao transformar situações difíceis em momentos de puro brilhantismo artístico. Ator, humorista e intérprete de uma vasta gama de sentimentos, o artista dominava o palco e a tela com uma presença única. Seu talento roubava a cena em qualquer produção em que estivesse, desde a comédia até os momentos mais dramáticos. A obra cinematográfica, que combina imagens originais com números musicais, pinta um retrato íntimo do homem por trás do ícone, explorando suas lutas, vitórias e paixões.
Um legado marcado pela coragem
Dentro de 83 minutos, somos levados aos recortes da carreira, em momentos que ele enfrentou o racismo com valentia, tornando-se um símbolo de força em um Brasil onde a discriminação racial era escancarada e normalizada. Em uma das cenas mais emocionantes, ele relembra a cruel realidade de que pessoas negras não podiam entrar pela porta dianteira, enquanto brilhava no palco desafiando todas as hipóteses. E brilhava com uma intensidade tal que, mesmo em uma época em que brancos eram pintados de negro para substituir atores afrodescendentes, Otelo conseguia se destacar e protagonizar com seu talento evidente.
Revivendo a trajetória de Otelo
Equilibrando habilmente humor e drama, a produção celebra as conquistas do artista e revisita os momentos mais desafiadores de sua vida. A abordagem sensível do episódio, que ele próprio descreve como o mais triste de sua vida, revela como, apesar de uma dor imensa, manteve-se firme diante das câmeras, continuando a cultivar seu amor pela comunicação. O projeto se distingue por sua edição cuidadosa, que une trechos de seus filmes e um rico acervo de entrevistas, proporcionando uma narrativa quase em primeira pessoa, mediada pelas intervenções do diretor Rossi. Apesar de se concentrar em utilizar a trajetória do artista como ponto de partida, há um esforço visível em explicar o máximo possível, já que não se utiliza fontes externas. Sem dúvidas, um impressionante trabalho de recuperação de arquivo.
O retrato íntimo de Sebastião
Além de sua carreira brilhante, o filme mergulha na vida pessoal de Sebastião, explorando sua época de casamento e a relação com sua família. É um retrato humano, que mostra o homem por trás do mito. O Grande Otelo permanece como uma lenda do cinema, teatro e televisão, e sua contribuição à cultura nacional é inestimável. Mesmo décadas depois de sua morte, ele ainda é uma referência, um símbolo de resistência e um exemplo de como a arte pode ser uma ferramenta poderosa na luta contra o racismo e as injustiças sociais. A obra é finalizada com frases impactantes, que convidam o espectador a reflexões profundas sobre o preconceito e o legado de resistência que ele deixou.
Celebrando a arte e a resistência
Exibido no 25º Festival do Rio, a obra recebeu o prêmio Redentor de Melhor Documentário, destacando-se por sua profundidade e relevância. Apesar de sua grandeza, a trajetória é marcada pela dor de um homem preto em uma sociedade enraizada pelo regime escravocrata. Sua história ilustra os talentos subestimados e frequentemente ignorados que o Brasil tem a lamentar. Otelo é grandioso e resistente, sendo uma das figuras mais emblemáticas da história brasileira. Um homem de seu tempo, dotado de uma consciência social e política extraordinária, cuja magnitude não recebeu o devido reconhecimento em vida. Sob a direção de Lucas H. Rossi, “Othelo, O Grande” se revela uma produção que une história, arte e luta, resultando em uma obra que educa sobre o impacto de um dos maiores nomes da cultura brasileira.