Neste novo capítulo, a crítica ao sistema carcerário parece ser o foco principal. O musical surpreende, mas falta a intensidade do original e o ritmo irregular pode desapontar.
Dirigido por Todd Phillips, Coringa (2019) foi um marco no cinema, se saindo dos padrões do gênero de filmes de super-heróis para se tornar uma obra-prima psicológica e socialmente provocativa. Para quem assistiu ao primeiro filme, este novo capítulo precisa, sim, ser visto. Goste ou não, ele complementa diversos elementos da história anterior. Comparando ambos, o primeiro filme explora como a sociedade e o círculo social ao redor de uma mente já perturbada podem degradá-la ainda mais. Já neste segundo, a trama foca em quem está acima desse sistema — aqueles que deveriam proteger e ressocializar, mas acabam contribuindo ainda mais para essa degeneração. Em vários momentos, o filme parece incorporar uma crítica ao sistema carcerário e à impossibilidade de verdadeira ressocialização.
Coringa em nova forma: o musical inesperado
Phillips, anteriormente conhecido por comédias como Se Beber, Não Case! (2009), surpreendeu ao mergulhar em um filme tão sombrio e complexo. Agora ele quis surpreender novamente, trazendo a sequência por meio de um musical. A ideia causou uma grande repercussão, juntamente com o receio de como seria implementado em uma história como essa. Surpreendentemente, conseguiram não apenas justificar a inclusão do musical no contexto, como também utilizaram as canções inteligentemente para avançar a trama e expressar emoções, servindo como um recurso importante para desenvolver os personagens.
A simbiose do caos em uma Gotham decadente
Cinematografia é um dos pontos altos do filme. A ambientação de Gotham City é opressiva, refletindo o caos e a degradação da sociedade ao redor de Arthur, e no que ele passou a representar para uma sociedade quebrada. O ritmo do filme difere bastante do Coringa de 2019. No primeiro, sentimos a degradação mental de Arthur Fleck se intensificar progressivamente. Já nesta sequência, a sensação é inversa: a psicose parece diminuir em intensidade. A introdução de Gaga como Arlequina parece ser o catalisador que traz de volta a crescente insanidade do Coringa, funcionando como uma peça-chave para reativar seu colapso.
Expectativas quebradas
Enquanto no primeiro filme havia uma clara escalada, com o ritmo se intensificando até o clímax explosivo, neste novo filme o enredo flutua entre altos e baixos. Não há uma linha contínua de tensão crescente, o que pode frustrar algumas expectativas, principalmente para quem esperava o mesmo impacto do primeiro. Essa ausência de uma escalada constante não significa que o filme seja desprovido de momentos fortes. O impacto é diferente, focado na violência exercida por aqueles que deveriam combatê-la, sendo este o principal ponto de crítica social da sequência. O filme também faz uso magistral de planos fechados e enquadramentos que focam na expressão corporal e facial de Phoenix, permitindo que o público observe cada detalhe da transformação de Arthur.
Phoenix brilha, Gaga fica à margem
A atuação de Joaquin é indiscutivelmente o coração do filme. Sua perda de peso dramática a aparência apática, simbolizam o estado emocional deteriorado de Arthur. Embora o público possa sentir empatia por seu sofrimento, sua transformação em um símbolo de caos e violência é sempre assustadora. Essa ambiguidade na construção do personagem é uma das maiores forças do filme. Já Lady Gaga tem um papel significativo, porém pouco explorado. Há uma falta de aproveitamento tanto de sua habilidade como atriz quanto da personagem Arlequina, que deveria ser aprofundada em sua essência psicótica.
Gotham, a verdadeira vilã
O design de produção contribui para a autenticidade e a sensação de decadência de Gotham City. As locações e cenários urbanos transmitem uma atmosfera repleta de tensão social, que dá base para o que a figura do protagonista se tornou. No final, o filme poderia ter sido mais conciso para contar sua história de maneira mais eficiente. Ainda assim, não é um filme dispensável. Ele traz uma crítica poderosa e impacta de maneiras inesperadas. Há uma sequência de violência e desconforto na prisão que pode causar fortes gatilhos, mas também reflexões profundas a respeito do tema central, a violência institucional.
A recepção de Coringa – Delírio a Dois foi marcada por extremos. Mas, no final, apesar de não ter o mesmo impacto do primeiro filme, continua sendo uma obra singular que redefine o cinema de super-heróis e o torna um estudo profundo sobre a psicose e a marginalização social.