Filme transforma o terror psicológico em uma experiência sensorial, explorando traumas e libertação através de metáforas e ambientes claustrofóbicos, mas perde força pela falta de desenvolvimento narrativo.
Indicada ao Emmy, Marjorie Estiano, adiciona mais um título à sua filmografia com “Abraço de Mãe”, um filme de terror psicológico que estreia na Netflix em 23 de outubro. O longa, dirigido por Cristian Ponce, foi destaque no Festival do Rio 2024 e circulou por festivais internacionais na Espanha e Estados Unidos, prometendo levar o público a uma experiência sombria e inquietante.
A divisão temporal em ‘abraço de mãe’
O filme apresenta uma narrativa dividida em duas linhas temporais: 1973 e 1996. Na primeira, uma criança é traumatizada por sua mãe, interpretada por Chandelly Braz, em uma cena que estabelecem raízes profundas para os eventos que se desenrolam mais de duas décadas depois. Em 1996, durante uma devastadora enchente no Rio de Janeiro, a protagonista, Ana, vivida por Estiano, é uma bombeira que luta pela sobrevivência e enfrenta os fantasmas de seu passado. A ambientação da enchente, que afetou verdadeiramente a cidade naquele ano, é usada para adicionar um clima opressivo e sufocante, com águas sujas e a constante ameaça de morte em um ambiente já degradado.
Terror psicológico em um asilo abandonado
O longa tenta se destacar, transformando o terror psicológico em uma experiência física e angustiante. Grande parte da ação acontece em um asilo abandonado, com cenários montados para sugerir medo e claustrofobia. A direção de arte é esperta ao criar corredores sombrios e ambientes em decadência, onde a iluminação mínima – muitas vezes apenas o feixe da lanterna – contribui para a sensação de que algo espreita a cada passo. A fotografia utiliza ângulos fechados e planos longos para intensificar a sensação de isolamento e impotência. O design de som, que valoriza o silêncio e o ruído ambiente, amplifica o medo, fazendo com que cada movimento seja interpretado como um presságio do que está por vir.
Metáforas universais e o uso do horror
Cristian Ponce opta por um roteiro repleto de simbolismos, utilizando o horror como uma forma de expor traumas e reflexões sobre libertação. O asilo abandonado surge como uma metáfora física para a mente de Ana, onde cada sala parece representar uma memória reprimida ou um medo enterrado. Para se recuperar, é importante enfrentar esses desafios, mas o filme não oferece respostas fáceis. “Abraço de Mãe” é semelhante a produções como “O Labirinto do Fauno“, em que o terror excede a narrativa literal e serve como uma alegoria para questões humanas mais profundas.
Marjorie Estiano, o destaque na atuação
Estiano se entrega completamente ao papel, trazendo variantes emocionais que enriquecem a trama. O treinamento realizado com o Corpo de Bombeiros é evidente na autenticidade com que executa cenas fisicamente exigentes. Seu desempenho é marcado pela vulnerabilidade que carrega desde o início, até a determinação e coragem no clímax, evidenciando uma personagem variada e cativante. O contraste entre o desespero e a força de Ana reflete a dualidade entre a necessidade de sobreviver ao caos externo e os conflitos internos que a assombram.
Ambientação não tão imersiva
Embora a trama se passe em 1996, a falta de elementos específicos da época faz com que o filme pareça deslocado. A ausência de objetos, figurinos e referências culturais daquele período pode ser um ponto negativo para quem busca uma imersão completa. Isso enfraquece a ligação com o contexto histórico, transformando o cenário de enchente em um pano de fundo genérico, sem agregar à autenticidade do período.
Terror que se sustenta no simbolismo
Apesar de criar uma atmosfera de suspense e terror com aparições repentinas e uma iluminação soturna, a obra sofre com a falta de desenvolvimento do enredo. Muitas questões permanecem indeterminadas e o desfecho desaponta, uma vez que não é possível compreender a motivação de certos personagens e eventos. A construção do conflito demora a acontecer, o que pode frustrar espectadores que esperam uma trama de horror mais convencional e direta. O resultado é um filme que se sustenta mais pelos seus simbolismos e pela exploração de temas universais do que pelo medo genuíno.
Mais metafórico do que macabro
“Abraço de Mãe” é uma obra que mistura o horror com a metáfora, oferecendo uma experiência introspectiva sobre enfrentar os fantasmas do passado. É uma proposta que vai além do susto fácil, pedindo ao espectador que se engaje com os dilemas internos dos personagens. Embora não seja uma experiência completa no que se refere ao desenvolvimento narrativo, o filme se destaca pelo uso do ambiente e das atuações para sugerir uma sensação de desconforto e libertação. Um terror que se revela mais emocional do que sobrenatural, e que desafia o público a olhar para dentro de si.