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Baseada no livro de Jean-Claude Grumberg, “A Mais Preciosa das Cargas” questiona o abandono infantil para exaltar a força do acolhimento, em meio ao horror e à ignorância.
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Não é surpresa que os filmes de animação estejam ganhando uma popularidade e tanto nos últimos tempos. Há alguns anos, a indústria cinematográfica vem valorizando cada vez mais filmes do gênero, e vários de seus títulos acabam despertando a curiosidade do grande público. Recentemente, um desses exemplos foi Flow, animação letã que inclusive levou uma estatueta do Oscar 2025 para casa.
Agora, parece ser a vez de “A Mais Preciosa das Cargas” ocupar os holofotes. O filme é ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, na Polônia ocupada pelos nazistas. A história acompanha um casal de lenhadores pobres e sem filhos que vive isolado em uma floresta. A vida deles muda drasticamente quando um trem de deportação, com destino ao campo de concentração de Auschwitz, passa pela floresta. Desesperado para salvar ao menos uma de suas filhas recém-nascidas, um pai judeu envolve uma delas em um xale e joga para fora do trem. A esposa do lenhador encontra a criança. E, apesar da pobreza extrema e do perigo constante representado pela guerra, ela decide acolher e criar a menina como se fosse sua.
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O desenvolvimento da narrativa
O filme explora temas profundos como o amor parental, o que é o instinto, o preconceito, a resiliência, e a humanidade em meio aos horrores do Holocausto, adaptando a obra homônima de Jean-Claude Grumberg para as telonas. A animação é dirigida por Michel Hazanavicius, e chega aos cinemas brasileiros com distribuição da Paris Filmes.
Logo de início, “A Mais Preciosa das Cargas” faz uma crítica sutil ao conto do Pequeno Polegar, satirizando a ideia de abandono infantil como recurso narrativo. Em compensação, a história se desenvolve exaltando o cuidado e o acolhimento, mesmo diante da miséria e do horror, mostrando que o instinto materno pode ser mais poderoso que o de sobrevivência.
Isso gera um contraponto muito interessante no longa, já que o casal de lenhadores, que tem um papel-chave na trama, é influenciado pelo imaginário antissemita dos “Sem Estão”. Na crença deles, estes seriam judeus sem coração, responsáveis por todos os males que ocorrem na região. Justamente por isso que sua ignorância se torna um elemento potente na narrativa, já que a bondade brota de onde menos se espera.
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Pontos de destaque
O estilo visual do longa é instigante, remetendo à quadrinhos com traços cartunescos. Porém, ele sofre com uma paleta excessivamente escura, que algumas vezes prejudica a clareza da composição. A trilha sonora, por outro lado, é o coração da obra. Em diversas cenas, ela assume o protagonismo emocional, apagando falas e conduzindo a história somente pelo som.
Aos 47 minutos, o filme desmonta a falsa moralidade dos que se acham superiores aos “sem coração”, mostrando que a crueldade também habita em quem aponta o dedo. É nesse ponto que a obra se revela mais complexa, prendendo a atenção do espectador de forma magnética.
Um outro destaque do longa fica com uma sequência visual impactante que ocorre mais à frente, onde o contraste de cores e paisagens cria um efeito quase surrealista, como se o passado sobrevoasse o cenário. E falando em efeitos surrealistas, em determinado momento, o filme também faz referência direta ao quadro “O Grito“, de Edvard Munch. O frame copiado da pintura empresta ao personagem a angústia existencial, reforçando o grito mudo de uma dor que atravessa gerações.
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O veredicto
“A Mais Preciosa das Cargas” surge como uma obra animada essencial, adaptando com sensibilidade a poderosa fábula de Grumberg. Longe de clichês, o filme cativa ao exaltar a humanidade e o acolhimento em meio ao horror. Tendo ainda, uma narrativa visual instigante e trilha sonora emocionante. É um convite imperdível para testemunhar a resiliência do espírito humano, provando que animações podem, sim, carregar as mais preciosas mensagens.
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