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Com distribuição da Califórnia Filmes, ‘A Musa de Bonnard’ conta a história de Pierre Bonnard e sua esposa, Marthe. O longa participou do Festival Varilux de Cinema Francês 2023 e agora chega aos cinemas brasileiros.
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Um menino se apaixona por uma pintura. Aí, os anos passam, e o encanto do menino pelo trabalho daquele pintor só cresce. Cresce a tal ponto, que ele coloca uma reprodução da obra na parede de seu quarto. Décadas mais tarde, o menino se torna um homem e tem a oportunidade de contar a história de amor do pintor e sua musa.
O menino que cresceu é Martin Provost, diretor do longa ‘A Musa de Bonnard‘, que chega aos cinemas brasileiros em 6 de junho. O filme conta a história do relacionamento complicado, cheio de altos e baixos, do famoso artista francês Pierre Bonnard (Vincent Macaigne) com Marthe de Méligny (Cécile de France).
As pinturas de Bonnard fascinaram Provost desde muito jovem. E um dia, por acaso ou por ironia do destino, justo Pierrete Vernon, sobrinha-neta de Marthe, convida Provost a fazer um filme sobre a ancestral dela. Sobre o ocorrido, Martin comenta: “Para ela, o papel de Marthe era fundamental no trabalho do marido e não foi suficientemente apreciado. Mas ela permaneceu, para a opinião pública, uma pessoa perturbada e manipuladora. Enquanto Pierrette via Marthe como uma mulher que sacrificou ela mesma pelo bem do trabalho de Pierre.”
O diretor tentou imprimir no longa a fascinação mútua que o casal nutria um pelo outro, além de dar a Marthe uma representação mais justa. Ele queria mostrá-la sob uma ótica que fosse além do papel de “musa”: “Com Pierre e Marthe, nada era simples. Nem a doçura e o egoísmo de Pierre, nem a mitomania de Marthe, nem o papel decisivo que ela parecia ter desempenhado ao seu lado, e nem mesmo as pinturas de Pierre, nas quais, por trás de uma aparente representação de felicidade, cada detalhe é usado para desorientar ainda mais o público“. Explica o diretor.
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O esboço inicial
Um primeiro ponto que se destaca bastante no roteiro assinado por Provost e Marc Abdelnour é como a narrativa não cria vilões ou mocinhos. Desde o primeiro minuto, vemos Pierre Bonnard, Marthe de Méligny, os amigos de Pierre, e a família de Marthe, como seres humanos complexos; com suas falhas e qualidades. O roteiro tenta ser o mais imparcial possível, focando com bastante objetividade nos fatos ocorridos, e tentando repassá-los desta forma. E, na maior, parte do tempo ele consegue atingir essa meta.
Talvez seja graças ao bom equilíbrio que a narrativa faz entre o protagonismo de Marthe e o do próprio Pierre, onde uma figura não se sobrepõe à outra. Ninguém aparece sob uma luz mais favorável ou longa do que o outro. Isso torna o filme interessante, já que ele consegue quebrar o clichê comumente visto por aí do artista torturado acompanhado por uma parceira fiel e perfeita.
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Aplicando cores
Pierre Bonnard foi uma das principais figuras na transição do movimento impressionista para o modernista. Suas obras ficaram conhecidas por priorizar as cores e o estilo de pintura, em vez do tema do quadro em sí. O pintor também ganhou notoriedade por sempre usar cores intensas. Tudo isso é mostrado no filme, bem como a carreira artística que Marthe constrói para sí como Marthe Solange.
Na forma em que retrata e reverencia a arte, ‘A Musa de Bonnard‘ lembra bastante ‘O Renascimento‘ (2023), outra obra que contou com uma performance ímpar de Vincent Macaigne.
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Cécile de France também entrega uma Marthe forte, humana, e que captura a simpatia do espectador. Tudo o que é mostrado em ‘A Musa de Bonnard‘ tem um propósito, não há espaço para pontas soltas. Do relacionamento conturbado de Marthe/Marie com sua família, à grande habilidade de observação de Pierre, tudo cumpre um propósito: o de mostrar traços de personalidade e acontecimentos que moldaram os protagonistas e os transformaram em quem eles são.
O filme pinta ainda um retrato interessante do sistema de patronos da época, em como era importante artistas garantirem essa espécie de patrocinador para conseguirem realizar seu trabalho de forma ininterrupta. Ele também mostra, de forma bem natural, como as linhas podiam se borrar nesses tipos de relacionamento e os conflitos que poderiam surgir deles.
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O veredicto
Apesar de trabalhar bem os temas a que se propõe, talvez o longa pudesse abordar com um pouco mais de profundidade a relação de seus protagonistas no dia a dia. A beleza de sua cenografia é inegável e os figurinos oferecem um espetáculo à parte. Porém, a trama em si não prende tanto a atenção do espectador quanto poderia. Amantes de arte ou do trabalho de Bonnard podem gostar bastante do longa, mas talvez o mesmo não possa ser dito sobre quem não é muito familiarizado com esse universo.
Possivelmente, uma forma de prender mais a atenção fosse mostrar interações dos protagonistas com alguns nomes famosos que são mencionados na narrativa, como o de Monet. Ou ainda, mostrando um pouco mais sobre os bastidores do mercado das artes na época.
Ainda assim, o filme consegue se destacar pelas grandes atuações entregues, beleza de suas cenas, e paletas de cores escolhidas. Além disso, ele constantemente convida o público à uma reflexão artística, o que certamente é um diferencial. Quando Marthe e Pierre ficam próximos da jovem Renée (Stacy Martin), por exemplo, é impossivel não pensar no quadro “O tempo ordena que a velhice destrua a beleza” (1746) de Pompeo Girolamo Batoni. Já que, naquele momento, os dois parecem estar fissurados em recuperar, por meio dela, uma espécie de vitalidade perdida.
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“A Musa de Bonnard”
(França, 2023, 122 min). Direção: Martin Provost. Drama. Estreia 06 de junho nos cinemas de todo o Brasil.