Caravaggio foi um pintor muito conhecido pelo uso de luz e cor em primeiro plano, que contrastavam com fundos escuros, técnica chamada de “tenebrismo“. Além disso, ele gostava de contrastar o claro e o escuro e foi o primeiro grande representante do estilo barroco na pintura. Logo, era de se esperar que um filme sobre sua vida utilizasse essa técnica tão marcante do artista. E isso aconteceu.
Dirigido por Michele Placido, “A Sombra de Caravaggio” brinca de forma muito inteligente com os conceitos de sombra e luz, e contraste de cores. A fotografia do longa impressiona à primeira vista, e é de uma curadoria primorosa. É evidente que ela se importa, a cada cena, em representar o conceito proposto por Caravaggio, sendo o longa um eterno duelo entre o claro e o escuro.
Pausar qualquer frame do filme é quase como ver um quadro do próprio Caravaggio em nossa frente. Isto é, as cores, os filtros de luz, bem como a iluminação utilizados mostram uma dualidade nos ambientes tal qual o pintor italiano prezava tanto por, e sempre fazia questão de retratar em suas obras.
Mas não é apenas este conceito de sombra que o longa visa explorar.
Além de fazer referência à principal característica técnica do pintor, a palavra também representa um período conturbado na vida do italiano. Mais precisamente, quando foi procurado pelo assassinato de um homem e precisou se refugiar em Nápoles. Inclusive, neste meio mais uma sombra se revela, o personagem Schatten (Louis Garrel).
De forma sorrateira, Schatten procura informações sobre a vida do pintor, bem como sobre seu caráter. O personagem tem sobre seus ombros a difícil tarefa de determinar para a Igreja Católica se Caravaggio é ou não um assassino. E bem a caráter, “Schatten” significa literalmente sombra em alemão. Além disso, ele é o único personagem inventado da trama.
Ainda se pode argumentar que o nome do longa faz uma breve referência poética ao final do filme.
Mas mesmo tendo um conceito forte e contando com grandes estrelas do cinema mundial em seu elenco, o longa começa de uma forma um pouco lenta, com uma briga que não convence, devido ao seu aspecto quase que amador. O filme demora um pouco para pegar velocidade e seu ápice ocorre após os primeiros 60 minutos iniciais.
Riccardo Scarmacio dá vida a um Caravaggio temperamental, confiante, e que vive sob suas próprias regras. Ele eterniza aqueles que são desprezados pela sociedade e os representa em igrejas, murais religiosos, e casas respeitáveis. Tanto Isabelle como Costanza Sforza Colonna, e Garrel como Schatten estão brilhantes em seus respectivos papéis. Os atores protagonizam uma das cenas mais eletrizantes do longa, na qual Constanza conta a Schatten um pouco mais sobre as origens de Caravaggio e a relação do artista com sua família.
“Se tem ônus, tem bônus“
A fim de evitar spoilers, não comentaremos muito sobre o final do longa, mas mesmo sendo completamente criado a partir da imaginação dos roteiristas Sandro Petraglia e Michele Placido, ele se torna interessante por toda a poesia que é apresentada tanto pelo narrador, quanto pelas imagens mostradas. O final parece interligado ao começo, já que a última cena é também a primeira.
Entretanto, apesar da história de vida de Caravaggio ser um tema com grande potencial, tanto pelo temperamento forte do artista, quanto por não ser uma história tão conhecida pelo grande público, o roteiro de “A Sombra de Caravaggio” não consegue sustentar todo esse potencial em certos momentos. Ele perde a atenção do espectador quando se estende em longos diálogos que poderiam ser breves. Da mesma forma em que a narrativa demora em demasia para chegar a certos pontos, o que mais uma vez dificulta uma imersão completa no longa.
Ainda assim, o filme tem uma clara linha do tempo, mesmo que passado e presente se misturem ás vezes, o que é um diferencial e não confunde o espectador. Esta é uma obra cinematográfica que vai encantar quem admira as obras do pintor e, mais ainda, à quem não conhece sua história de vida e todas as revoluções históricas que ele proporcionou em seu meio, chegando ao topo de sua profissão mesmo tendo vindo de uma família humilde, proveniente de uma pequena aldeia chamada Caravaggio.
“A Sombra de Caravaggio” é um dos 32 filmes que estão disponíveis para assistir tanto online quando presencialmente no Festival de Cinema Italiano. Recentemente, analisamos outros longas do festival como “Ainda Temos O Amanhã“, “Obrigado, Rapazes“, “A Última Noite de Amore” e “A Última Vez Que Fomos Crianças“.
“A Sombra de Caravaggio”
(Itália, 2022, 120 min.). Direção: Michele Placido. Drama. Em exibição no Festival de Cinema Italiano, que vai até 09/12.