“A Última Vez Que Fomos Crianças” é um filme que choca. Apesar do tema sério, algumas passagens da trama e falas dos personagens principais parecem adaptadas a um público mais infantil. Com isso, por mais da metade do longa, não conseguimos identificar se ele é um filme infantil ou adulto.
É somente no final do filme que entendemos o que Claudio Bisio, diretor do filme, intencionava o tempo todo: nos mostrar, pela perspectiva de crianças, como a inocência delas chegou ao fim. Isso é uma jogada de mestre do enredo e um de seus pontos mais positivos e inovadores.
No geral, as falas são um pouco engessadas e, algumas vezes, parecem não refletir o que uma criança realmente diria. A espontaneidade delas se perde um pouco, principalmente no início da narrativa. Nesse mesmo momento, os diálogos também não prendem muito a atenção (nem os dos adultos), e por vezes a impressão que dá é a de que falta tempero no conteúdo.
Mas conforme a narrativa avança, os personagens amadurecem e o roteiro do longa também. Descobrimos as reais motivações de Vanda (Carlotta de Leonardis), Cosimo (Alessio Di Domenicantonio) e Italo (Vincenzo Sebastiani) para partir em busca do amigo Riccardo (Lorenzo McGovern Zaini), e, assim, os personagens ganham mais complexidade, se tornando mais reais. Temos também uma história paralela onde a Irmã Agnes (Marianna Fontana) e Vittorio (Federico Cesari) formam uma dupla improvável e se unem para procurar Vanda (protegida de Agnes) e Italo (irmão de Vittorio), respectivamente.
A Narrativa
Apesar de termos 4 crianças principais em vez de 2, e o início da amizade do quarteto bem como seu fortalecimento se desenrolarem de uma forma totalmente diferente, alguns traços da narrativa lembram bastante o clássico “O Menino do Pijama Listrado“. Também aqui, amizades inocentes são separadas pelo ódio e pela guerra, a inocência da infância é encerrada antes da hora, bem como algumas situações desafiadoras acontecem. E, quanto mais próximo ao final a narrativa vai chegando, mais evidente ficam as similaridades entre ambos.
Apesar disso, a escolha dos atores mirins, por exemplo, foi muito acertada. Mesmo que a temática de fundo seja difícil de abordar, o diretor de “A Última Vez Que Fomos Crianças” consegue lidar com ele de forma lúdica, respeitosa, e em alguns momentos bem-humorada. Apesar do filme se considerar uma comédia, ele é quase uma comédia dramática já que, o tempo todo, o peso do conflito que está em seu pano de fundo parece pairar pelo ar.
A premissa da narrativa é simples, do roteiro também, mas eles prendem a atenção do espectador até o final. É impossível não torcer pelo sucesso do trio em sua missão de resgatar o amigo.
O final é impactante, principalmente pela forma brusca como ele ousa mudar do gênero comédia para o drama. É como se fôssemos, mesmo que por um momento, as crianças protagonistas, sacudidas de seu mundo livre de preocupações e atirados sem dó nem piedade de volta ao mundo real, e ao que de fato está acontecendo ao redor.
“A Última Vez Que Fomos Crianças” é um dos 32 filmes que estão disponíveis para assistir tanto online quando presencialmente no Festival de Cinema Italiano. Recentemente, analisamos outros longas do festival como “Ainda Temos O Amanhã“, “Obrigado, Rapazes“, “A Sombra de Caravaggio” e “A Última Noite de Amore“.
“A Última Vez Que Fomos Crianças”
(Itália/França, 2023, 90 min.). Direção: Claudio Bisio. Comédia. Em exibição no Festival de Cinema Italiano, que vai até 09/12.