“Alice de Cor e Salteado”: musical estreia no Brasil com nova leitura do clássico

Foto: Priscila Prade

byKevin Freitas
-23 de maio de 2025

Alice no País das Maravilhas encontra a guerra em versão intensa, poética e inédita no palco brasileiro

A partir de 7 de junho, o público de São Paulo vai conhecer uma nova e ousada versão do clássico de Lewis Carroll. Trata-se de “Alice de Cor e Salteado“, adaptação nacional do musical “Alice by Heart“, que transporta a famosa história da menina que cai na toca do coelho para o cenário sombrio de um abrigo antibombas. A montagem estreia no Teatro Estúdio e segue em cartaz até 4 de agosto de 2025.

Idealizada pelos atores e sócios Gabi Camisotti e Diego Montez, a versão brasileira é dirigida por Gustavo Barchilon, com adaptação assinada por Rafael Oliveira. A trilha sonora original leva a assinatura de Duncan Sheik e Steven Sater, os mesmos responsáveis por “O Despertar da Primavera“, e aqui ganha tradução cuidadosa para o português.

Do bunker para o País das Maravilhas

“Alice by Heart” nasceu em 2012 no Royal National Theatre, em Londres, e mais tarde brilhou no circuito Off-Broadway, em Nova York. Agora, essa história atravessa o oceano para ganhar uma montagem brasileira inédita, produzida pela Barho e pela Moca.

No enredo, Alice Spencer se vê presa em um bunker durante uma guerra, ao lado do amigo Alfred, gravemente doente. É nesse contexto que ela mergulha em seu velho exemplar de “Alice no País das Maravilhas” como forma de escapar da realidade brutal. Conforme os bombardeios aumentam, a garota se lança numa jornada mágica e transformadora, onde a fantasia se entrelaça com seus traumas, seus medos e o processo de amadurecimento.

Conforme se aprofunda no País das Maravilhas, Alice encontra figuras conhecidas em novas roupagens: soldados, enfermeiros e pacientes assumem os papéis do Chapeleiro Maluco, do Gato de Cheshire, da Rainha de Copas e outros personagens icônicos. A atmosfera ganha tons mais sombrios e melancólicos, refletindo o cenário de guerra e a turbulência emocional da protagonista.

Uma história sobre crescer em meio ao caos

Para Gabi Camisotti, que interpreta Alice e também assina a idealização do projeto ao lado de Montez, essa montagem representa mais que uma nova estreia: “Escolher Alice By Heart como uma das primeiras produções da Moca tem um significado muito especial pra mim. É o meu musical preferido — e justamente por isso, eu sabia que, quando fosse montá-lo, teria que ser em um momento simbólico. E foi. Depois de darmos o primeiro passo com Bare, uma ópera pop, estar em cena agora com Alice representa um novo marco: é a primeira vez que nós dois, como sócios da Moca, também protagonizamos uma montagem juntos.

A Moca nasceu da vontade de criar com liberdade, sensibilidade e afeto. E Alice representa exatamente isso. É uma obra poética, delicada e intensa, que fala sobre a força da imaginação em momentos de perda, sobre crescer em meio ao caos, sobre encontrar refúgio naquilo que nos move por dentro. Produzir Alice By Heart é, de certa forma, reafirmar o que nos move como companhia: contar histórias que nos atravessam — e que, com sorte, também atravessem quem assiste”.

Diego Montez, que interpreta Alfred e o Coelho Branco, compartilha do mesmo entusiasmo: “Eu e Gabi temos nossas trajetórias embaladas e envolvidas pela obra de Duncan Sheik e Steven Sater. E essa em particular, o Alice, a história de dois melhores amigos que mudam a vida um do outro com a força de uma história. É sobre como a arte motiva, consola, ensina e transforma. Me parecia quase uma obrigação passar essa mensagem adiante, e tinha que ser com ela (Gabi). A equipe com a gente nessa aventura é brilhante, com ídolos que sempre quis trabalhar não só nos criativos como no elenco”.

Criação viva, em constante transformação

Para o diretor Gustavo Barchilon, montar “Alice de Cor e Salteado” exigiu mergulhar em uma obra que não para de evoluir. “Desde sua estreia no Off-Broadway, a peça passou por várias transformações, tanto no texto quanto em algumas canções. E isso é o que acho mais fascinante: é uma obra viva, em constante evolução. E poder trocar diretamente com os criadores da montagem tem sido fantástico”.

Barchilon destaca ainda as colaborações internacionais que enriqueceram a versão brasileira: “Para essa versão brasileira, contamos com a colaboração de Jessie Nelson — autora do libreto original e também responsável pelo sucesso Waitress — que tem trabalhado no texto junto comigo. Já Steven Sater, autor das letras originais, tem colaborado diretamente com Rafael Oliveira nas adaptações das canções para o português. Nosso desafio no Brasil é garantir que essa história se comunique bem com o público local, por isso precisamos ir além do imaginário construído pelo filme da Disney e adaptar referências na história que podem não ser tão bem compreendidas pelo nosso público”.

Elenco diverso e imersão no absurdo

Além da dupla protagonista, o elenco traz nomes como Yasmin Gomlevsky, Valeria Barcellos, Renan Mattos, Bruna Pazinato, Thales César, Jessé Scarpellini, João Victor, Bruno Sigrist, João Ferreira e Helena Bastos. A direção musical fica por conta de Gui Leal, enquanto Ciça Simões assina as coreografias.

O musical será apresentado em formato de teatro de arena, fugindo do tradicional palco italiano. Segundo Barchilon, essa escolha busca criar uma experiência mais próxima e imersiva com o público. “Interpreto essa obra com um olhar muito sério, pois vejo nela elementos fortemente influenciados pelo teatro do absurdo, um mergulho beckettiano. Se olharmos para Alice no País das Maravilhas, percebemos claramente essa atmosfera surrealista, e a peça bebe muito dessa estética”.

A cenografia e os figurinos também se afastam da extravagância colorida de outras montagens. A ideia é trazer uma visualidade mais melancólica e intimista, que una os traços sombrios da guerra com os elementos surreais do País das Maravilhas. A proposta aposta em um tom expressionista, carregado de simbolismo.

Música, poesia e transformação

“Alice de Cor e Salteado” fala sobre perda, amadurecimento, imaginação e resiliência. Tudo isso embalado por uma trilha sonora envolvente, interpretada ao vivo por uma banda de seis instrumentistas. “A música de Duncan Sheik tem um estilo envolvente, que combina bem com a atmosfera sonhadora da peça. Já as letras de Steven Sater são carregadas de simbolismo e emoção, reforçando a sensação de que cada canção é uma reflexão profunda sobre os sentimentos da protagonista”, comenta o diretor.

Em resumo, “Alice de Cor e Salteado” não é apenas mais uma adaptação do clássico de Carroll. É uma leitura ousada, sensível e profundamente emocional de um conto sobre amadurecer em meio ao caos. Um espetáculo que promete tocar o público com delicadeza e potência.

Sinopse

O musical reimagina a clássica história de Alice no País das Maravilhas em meio ao caos e à destruição da guerra. A trama acompanha Alice, uma jovem que se refugia em seu livro desgastado de Alice no País das Maravilhas, enquanto está presa em um abrigo antibombas com seu amigo de infância Alfred, que está gravemente doente. Enquanto os horrores da guerra se intensificam, Alice escapa para um mundo de fantasia onde pode reescrever sua própria história e encontrar força para lidar com a realidade brutal ao seu redor.