O longa concorre ao Oscar 2024 na categoria “Melhor Documentário” com outros 4 indicados, como “20 Dias em Mariupol“. A cerimônia ocorre no próximo domingo, à partir das 20h, horário de Brasília.
“As 4 Filhas de Olfa” narra a história de uma mulher tunisiana chamada Olfa Hamrouni. Nem sempre seguindo uma ordem cronológica, o documentário mostra desde sua infância até um momento canônico em sua vida: o desaparecimento de suas duas filhas mais velhas, Ghofrane e Rahma Chikhaoui.
Apesar deste evento ser o principal fio condutor da história, a diretora Kaouther Ben Hania se preocupa bastante em mostrar, por vários ângulos diferentes, um pouco mais sobre quem é Olfa e como sua criação, além de situações que ocorreram em sua vida (e na de suas filhas) pode ter contribuído nas tomadas de decisão das cinco.
Para quem não sabe, a família é famosa. Em 2015, seus nomes dominaram manchetes da Tunísia e, eventualmente, de todo o mundo, quando foi anunciado que Rahma e Ghofrane, as duas filhas mais velhas de Olfa, se uniram ao grupo terrorista Estado Islâmico. Na época, elas tinham apenas 15 e 16 anos respectivamente. Quando o caso explodiu, Olfa apareceu na televisão tunisiana dizendo que havia alertado as autoridades de que suas filhas estavam sendo radicalizadas (ela chegou até mesmo a pedir a prisão de Rahma, para impedir que ela fugisse), mas nada foi feito na época.
Alguns anos mais tarde, as duas jovens foram capturadas na Líbia e, em 2023, sentenciadas a 16 anos de prisão. Fatma, a filha de oito anos de idade de Ghofrane está presa com a mãe desde então, em uma penitenciária libanesa.
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Como tudo começou
A diretora do longa afirma que a ideia para o documentário surgiu em 2016, quando estava terminando um outro projeto. A história de Olfa circulava na mídia da época e a emocionou. Pouco tempo depois, ela entrou em contato com a matriarca, tentando convencê-la a participar de um documentário sobre sua vida.
Nas primeiras filmagens, que ocorreram apenas com Olfa e suas duas filhas mais jovens, Kaouther sentiu que não estava capturando um momento genuíno da história daquela família. Por isso, ela resolveu pausar o projeto e retornou anos depois com três atrizes — Nour Karoui, Ichraq Matar, e Hend Sabri — para interpretar as filhas desaparecidas e a própria Olfa, respectivamente.
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Os pontos fortes da trama
Não conhecer a história de Olfa e sua família pode tornar o longa particularmente interessante para quem o assiste pela primeira vez. Apesar do desaparecimento de ambas ser mencionado logo no início, a narrativa inicialmente culpa “o lobo” de tê-las devorado. Isso traz um tom de mistério ao documentário, que o torna ainda mais intrigante, e encoraja o espectador a se permitir conhecer melhor os “personagens” ali apresentados antes de formular uma opinião sobre eles.
Essa nebulosidade inicial sobre o destino das irmãs é um dos pontos mais fortes do projeto. Ela prende a atenção de quem assiste, que se questiona incansavelmente sobre o que pode ter acontecido. Enquanto isso, “As 4 Filhas de Olfa” vai mostrando mais detalhes sobre a personalidade e crenças da matriarca da família, seus traumas, medos, as ações que toma por causa deles, e como isso impacta suas filhas.
Tanto Olfa quanto Tayssir Chikhaoui e Eya Chikahoui, suas filhas mais novas e que ainda estão com ela, demonstram uma vulnerabilidade muito grande durante todo o projeto. Tudo é muito visceral e sincero, e, em alguns dos diálogos, é possível sentir a dor delas na alma.
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Os pontos de atenção da trama
Assim o longa segue, mesclando depoimentos da mãe e das filhas, reconstituições de pontos-chave de suas trajetórias, e questionamentos por parte das atrizes. Mas é aí que as coisas ficam um pouco confusas. De início, a premissa das reconstituições parece ser um recurso inovador, que visa inserir o espectador nesta que já é uma história tão forte.
Só que as “cenas” em si são poucas, espaçadas, e na maior parte das vezes interrompidas por alguma correção de Olfa ou suas filhas, sobre como algum detalhe ocorreu de fato. Nas primeiras vezes é até interessante vê-las relembrando e esclarecendo certos fatores. Contudo, depois de 40 minutos de filme, o espectador começa a se perguntar se ele precisava mesmo participar de todo esse processo de bastidores.
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Considerações Finais
O recurso acaba por enfraquecer uma história que é tão intensa e rica. Em determinados pontos, ele chega até mesmo a confundir a linha narratória e deixar quem está assistindo um pouco perdido. Além disso, o seu propósito nunca fica muito claro ou explicado, já que as atrizes têm poucas oportunidades de representar uma cena completa e os depoimentos também não perduram em tela por muito tempo.
Outra sensação que fica é a de que o tema poderia ter uma abordagem mais aprofundada. O longa possui quase que inteiramente apenas tomadas internas, no que parece ser um mesmo ambiente com diferentes cômodos. Seria interessante ver também imagens da cidade onde Olfa e suas filhas moraram. Por exemplo, mostrando a escola que frequentaram, dentre outros elementos que ajudassem o espectador a se inserir ainda mais na realidade delas. Sente-se falta, ainda, de um dinamismo um pouco maior em certos trechos, já que a cadência geral do documentário é lenta. Além disso, a trilha sonora poderia ser um pouco mais presente e marcante, e as transições de cena mais polidas.
Apesar desses fatores, o filme se destaca pelo seu tema, carisma de suas protagonistas, e por algumas das falas fortes que elas tão espontâneamente soltam no decorrer do projeto. Um exemplo disso ocorre próximo ao final. Nele, as irmãs são questionadas sobre o que diriam às irmãs mais velhas se pudessem vê-las de novo. Eya Chikahoui responde “Esta família que destruiu vocês… Eu não vou deixá-la me destruir.”
“As 4 Filhas de Olfa”
(Alemanha/Arábia Saudita/França/Tunísia, 2023, 107 min). Direção: Kaouther Ben Hania. Documentário. Em exibição nos cinemas de todo o Brasil.