O novo documentário quebra tabus sobre a sexualidade de pessoas com deficiência e desmistifica padrões impostos pela sociedade
“Assexybilidade“, o novo documentário dirigido por Daniel Gonçalves, é uma obra corajosa e inovadora que propõe um debate raro e necessário sobre a sexualidade de pessoas com deficiência. Em um mundo repleto de preconceitos e estereótipos, o filme surge como um importante marco na luta por visibilidade e igualdade, desmistificando ideias enraizadas que, por muito tempo, mantiveram essas pessoas invisíveis sob o aspecto de suas vivências íntimas.
Visibilidade e voz para quem sempre foi silenciado
O grande mérito do documentário está em permitir que essas vozes sejam ouvidas diretamente, com os próprios participantes narrando suas histórias sem a presença de intermediários. A condução de Daniel Gonçalves traz a marca de seu trabalho anterior em “Meu Nome é Daniel“, o primeiro longa brasileiro dirigido por uma pessoa com deficiência, que já recebeu reconhecimento internacional, incluindo o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cinema Brasileiro de Los Angeles. Assim como no filme anterior, Gonçalves evita qualquer traço de vitimismo ou estereotipação, valorizando a autenticidade dos depoimentos.
Neste novo documentário, o diretor mantém a mesma linguagem respeitosa e sensível, criando um ambiente seguro, mas também descontraído, onde os participantes têm a liberdade de compartilhar suas experiências de amor, desejo e autonomia. Esse protagonismo é fundamental para desmantelar os tabus em torno da sexualidade de grupos marginalizados pela deficiência, além de humanizar vivências que, muitas vezes, são ignoradas ou minimizadas pela sociedade.
Retratos diversos: sexualidade e identidade de gênero
O roteiro não se limita a uma concepção única da sexualidade. Ele vai além ao apresentar pessoas com diferentes tipos de deficiência — física, visual, auditiva e intelectual — e explorar diversas orientações sexuais e identidades de gênero. Esse aspecto interseccional enriquece a obra, mostrando que, assim como qualquer outra pessoa, aqueles com deficiência têm uma ampla gama de experiências e desejos, desafiando os clichês que frequentemente os desumanizam.
Racismo e capacitismo: uma jornada de sobrevivência e resistência
Em um dos relatos mais impactantes, Lelê, uma mulher preta e com deficiência, fala sobre como o capacitismo e o racismo se entrelaçam em sua vida. Seu testemunho expõe a profundidade das barreiras que ela enfrenta diariamente, revelando que o preconceito vai além das limitações físicas. A obra aborda essas múltiplas camadas de opressão com a delicadeza necessária, mas sem deixar de provocar uma reflexão importante sobre a sociedade em que vivemos.
Reflexões sobre o cotidiano e a luta anti-capacitista
Além da questão sexual, o filme também se dedica a explorar o capacitismo em situações cotidianas, como o relato de um cadeirante que ouviu um comentário condescendente ao atravessar uma rua. São momentos simples, mas que revelam a complexidade das barreiras sociais impostas a essas pessoas, nos lembrando que o capacitismo, muitas vezes, passa despercebido. A direção é sensível e evita cair em armadilhas sensacionalistas. Ele constrói uma narrativa que intercala depoimentos pessoais com cenas artísticas e performáticas, proporcionando um equilíbrio entre emoção e reflexão. O uso da trilha sonora, por exemplo, amplifica a profundidade das histórias, criando momentos de introspecção que levam o espectador a repensar suas próprias percepções sobre o tema.
Um impacto duradouro no debate social
Ao final, o público é confrontado com a necessidade urgente de uma sociedade mais inclusiva. O documentário vai além de ser apenas uma exposição de vidas negligenciadas, tornando-se uma poderosa ferramenta para a desconstrução de preconceitos e para a promoção da igualdade. Sua abordagem franca, humana e provocativa, nos desafia a questionar estereótipos e a enxergar a sexualidade de pessoas com deficiência de forma natural e legítima, como parte integral de suas existências.
Uma canção para encerrar com esperança
A escolha de “Flutua“, de Johnny Hooker e Liniker, para encerrar o documentário é perfeita. Seus versos sobre o amor que transcende o preconceito ecoam o que o filme propõe: uma celebração das vidas que não se conformam com as limitações impostas pela sociedade. Assexybilidade nos deixa uma mensagem clara: o amor e o desejo são universais. Como a música diz: “Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”.
O filme estreia em circuito no dia 19 de setembro de 2024.