O debate eterno entre os amantes da literatura e do cinema, se concentra na discussão crucial de qual mídia consegue capturar mais fielmente a essência de uma história. Nesse contexto, surge “Instinto Materno”, como uma das adaptações cinematográficas mais aguardadas de 2024. Com Anne Hathaway e Jessica Chastain encabeçando o elenco, o filme oferece atuações impecáveis, elevando a narrativa a novos e emocionantes patamares. No entanto, para os devotos da versão do livro, que buscam uma adaptação rigorosamente fiel à trama original, talvez possam sentir uma ponta de frustração.
Paralelos e Desvios na Narrativa
Tanto o livro original, de autoria de Barbara Abel, quanto sua adaptação cinematográfica, dirigida por Benoît Delhomme, mergulham nos complexos dilemas morais e emocionais enfrentados por uma família diante de uma tragédia. No entanto, na versão cinematográfica, optou-se por realizar mudanças drásticas no roteiro, as quais, embora se integrem bem às telonas, deixam um pouco a desejar quando comparadas à narrativa do livro. Neste artigo, faremos uma lista dessas mudanças, garantindo, é claro, que não haja spoilers.
Adaptações na Identidade dos Personagens
O primeiro aspecto que logo se destacam são os nomes dos personagens. No livro, encontramos Tiphaine Geniot, mãe de Maxime, e Laetitia Brunelle, mãe de Milo. No filme, essas personagens são retratadas como Céline, mãe de Max, e Alice, mãe de Theo. Além disso, a trama, originalmente situada na Bélgica, foi transposta para os Estados Unidos na década de 1960, um período repleto de revoluções e transformações sociais. Essa mudança de cenário acrescenta uma nova camada de contexto histórico à narrativa, embora surpreenda os admiradores da obra original pela diferença em relação ao ambiente anteriormente conhecido. No entanto, para o filme, essa alteração contribui significativamente para a estética visual, especialmente através da fotografia, enriquecendo a experiência fílmica.
Contexto Histórico e Localização
O filme inicia em um ponto mais adiante do que o livro. Na versão literária, somos apresentados à amizade do casal em um período anterior ao nascimento de seus bebês. Esse ponto de partida nos permite compreender melhor a profundidade dessa conexão sólida entre o casal. No entanto, no filme, essa amizade é estabelecida mediante uma breve introdução onde eles celebram o aniversário de Céline, um evento que não ocorre no livro.
Diferentes Pontos de Partida
Após a introdução da relação de amizade do casal no livro, acompanhamos a chegada da época do nascimento das crianças. Testemunhamos o crescimento dos meninos desde o primeiro dia de suas vidas, assim como o crescimento da proximidade entre eles. Um componente significativo é o buraco na cerca viva, que desempenha um papel importante tanto no livro quanto no filme. No livro, é revelado que foram os meninos que criaram o buraco, enquanto no filme, ele simplesmente existe, sem essa explicação detalhada.
Detalhes Simbólicos na Trama
A tragédia que se torna o ponto focal da trama sofre uma série de alterações no filme, tanto nos elementos que envolvem seu desenrolar quanto no que as mães estavam fazendo no momento do ocorrido. Na cena do enterro, no livro, a emoção é reforçada, com vários familiares compartilhando memórias sobre a vida do menino e até mesmo tocando a abertura de seu desenho favorito, Bob Esponja. No entanto, no filme, essa cena não é tão prolongada, mostrando apenas um momento em que Theo/Milo se despede do amigo e fica surpreso ao encontrar um determinado brinquedo.
Relação Paterna e Desenvolvimento de David
Outro ponto de destaque na cena do funeral, surge em relação a David, o pai de Milo. No livro, ele é retratado como um marido mais presente e um pai mais paciente. Durante esse momento no filme, há um momento em que ele se envolve em uma briga intensa com seu filho, enquanto a mãe pede paciência. No entanto, no livro, esses papéis são invertidos, com David sendo retratado como aquele que possui mais paciência e tenta compreender seu filho. Além disso, no livro, temos percepções sobre seu passado e sua profissão como taxista, desempenhando um papel fundamental na narrativa, mas é descartado no filme, juntamente com outros elementos relacionados a essa questão.
Representações da Tragédia e do Luto
No livro, Milo lida de maneira diferente com a perda de seu melhor amigo. São apresentadas diversas situações que representam suas reações e emoções diante desse acontecimento. No entanto, no filme, poucos diálogos revelam esse ponto de vista do menino, descartando também outra face do livro, que é quando ele compra uma pelúcia e a nomeia com o nome do amigo falecido.
Intensidade dos Conflitos Interpessoais
No filme, ocorrem alguns confrontos entre o casal e as amigas, nos quais são discutidos temas como culpa e cumplicidade. Contudo, esses conflitos são um pouco mais amenos em comparação com o livro. Na obra literária, esses embates são mais frequentes e, em alguns casos, envolvem até mesmo agressões físicas e linguagem mais agressiva.
Alterações na Composição de Personagens
No filme, houve substituições e descartes de alguns personagens-chave para o desenvolvimento da trama. No livro, temos Ernest, sendo o padrinho de Milo, enquanto no filme ele foi retratado como a avó dele. Além disso, há um personagem relacionado ao passado dos Geniot. Esse personagem retorna em um certo ponto, adicionando uma camada de mistério revelada no desfecho da história e contribui para estabelecer diálogos ao longo da narrativa, mas foi descartado no filme.
Desfechos Divergentes e Revelações Finais.
O desfecho do filme e do livro apresentam diferenças vitais. No filme, temos a morte de um dos personagens principais, enquanto no livro esse mesmo personagem tem um destino completamente diferente, permanecendo vivo até o final da história. Além disso, a maneira como a resolução do mistério é revelada ao espectador também difere significativamente: no livro, há diversos pontos de vista apresentados, enquanto no filme apenas um é enfocado. Apesar dessas diferenças, o desfecho da trama é essencialmente o mesmo, embora o filme faça algumas reduções no número de personagens envolvidos.
A Essência do “Instinto” na Batalha Maternal
Em uma análise final, ambas as versões nos apresentam uma intensa batalha de “instintos”, destacando principalmente a questão maternal e a proteção inerente. É compreensível que um filme não consiga reproduzir todos os detalhes de um livro, pois se trata de uma adaptação. No entanto, neste caso, Delhomme optou por manter somente o foco principal da narrativa, apresentando-a de uma maneira completamente diferente. É importante ressaltar que o livro possui uma continuação intitulada “Além do Instinto”. Caso uma adaptação seja realizada, sabemos que poderá seguir um rumo diferente, especialmente considerando que alguns personagens foram descartados ou tiveram desfechos distintos no filme. Em todo caso, ambas as versões oferecem um suspense cativante que prende o espectador, embora cada uma o faça à sua própria maneira. Através disso, é importante que os amantes do livro assistam ao filme com uma mente aberta, separando-o completamente dos elementos literários.