Em Presença, o susto dá lugar ao silêncio, e Steven Soderbergh nos conduz por um drama familiar visto pelos olhos de quem já não está mais aqui, ou talvez nunca tenha ido embora.
Uma das coisas que sempre me chamaram atenção em um filme, é a escolha de diferentes tipos de filmagens, para narrar a história — especialmente quando é todo feito em POV, ou seja, com a câmera assumindo o ponto de vista de um personagem. Lembro da minha empolgação ao ver o primeiro anúncio de ‘Atividade Paranormal (2009)’, só de saber que o filme inteiro seria mostrado pelas câmeras instaladas na casa. Tive uma sensação parecida ao assistir ‘Cloverfield: Monstro‘ (2008) pela primeira vez no Corujão da Globo. Até mesmo Nickel Boys, que chegou a ser indicado ao Oscar, segue essa linha e me despertou o mesmo tipo de interesse.
E agora fui fisgado mais uma vez por essa mesma curiosidade com ‘Presença‘, novo filme dirigido por Steven Soderbergh. Ele segue essa proposta de contar a história de um jeito diferente, apostando novamente na linguagem do ponto de vista — mas, dessa vez, o olhar é o de um fantasma.

Subvertendo o terror com drama familiar sensível
Através do marketing, surge a expectativa de um filme violento, com mortes mostradas por esse ponto de vista — tipo gente sendo arrastada ou pendurada. Mas o que o filme entrega é bem mais interessante: um roteiro focado na dinâmica familiar e nos conflitos que surgem dentro dela. E é justamente isso que segura a nossa atenção até o fim.
A primeira coisa a se entender é que nem toda história com fantasmas precisa, necessariamente, ser um filme de terror. Claro, fantasmas e demônios costumam ser o centro dessas tramas, mas isso não significa que sempre precisam causar medo. No caso de Presença, mesmo com a divulgação sugerindo um clima de terror, o que o longa apresenta é outra coisa: o elemento sobrenatural aparece como uma forma de ampliar um drama familiar mais íntimo, temperado e cheio de camadas.
O filme que observa você
Um dos elementos mais marcantes e recorrentes do filme é o uso da quebra da quarta parede. Mas aqui, quando a personagem olha diretamente para a câmera, o efeito vai além. Esse olhar direto carrega uma tensão constante, porque a câmera não age como um observador neutro. Ela funciona como uma presença ativa na cena.
A câmera é como se fosse o olhar dessa presença, com imagens em plano aberto, bem longas, e uns cortes secos para preto. Isso cria um clima tenso e curioso. Quando os personagens a encaram, o público sente um desconforto imediato, misturado com curiosidade sobre o que está prestes a acontecer. Isso se intensifica ainda mais em momentos de conflito, como discussões ou cenas de solidão, quando o silêncio e a proximidade deixam tudo ainda mais desconfortante.
O peso do invisível
É importante ir com calma. Não vá esperando um terror com demônios, cruzes invertidas e padres correndo. Mas isso não quer dizer que o filme seja ruim — pelo contrário. A ideia aqui é te colocar na mente do ser, e fazer você descobrir a história gradualmente, até no mesmo tempo que ela. É uma experiência diferente, que pede atenção e entrega. Aos poucos, vamos conhecendo cada personagem, suas dores e segredos.
No fim das contas, ‘Presença’ é menos sobre sustos e mais sobre sentir. Steven entrega um filme que quebra expectativas e aposta numa perspectiva bem mais sensível do que parece à primeira vista. Em vez do medo explícito, ele escolhe uma tensão silenciosa, quase invisível, que vai ganhando força ao longo do filme. É uma experiência diferente, que deixa espaço para várias interpretações. Ele desafia o padrão das histórias de fantasmas ao fugir dos clichês do terror tradicional, e justamente por isso, fica na cabeça por muito tempo depois dos créditos.