“Baby” é um mergulho sensível e poético na vida LGBT jovem, explorando pertencimento, aceitação e conexões humanas nas ruas da capital paulista
Por meio de um retrato íntimo e cativante de uma juventude queer em São Paulo, Baby encontra beleza nos cantos mais inesperados da cidade. Dirigido por Marcelo Caetano, o filme explora relações fluidas e temas universais como pertencimento, aceitação e a busca por conexão. Entre a sensibilidade poética e a realidade urbana crua, o longa captura o espírito de uma geração que resiste, se adapta e dança sob as luzes de uma metrópole em constante movimento.
A jornada de Wellington
O filme acompanha Wellington , um jovem de 18 anos que enfrenta uma transição acelerada e forçada para a independência. Após cumprir quase dois anos em um centro de detenção juvenil, por crimes que permanecem na maioria indefinidos. Ao ganhar liberdade, ele descobre que sua família o abandonou, sem deixar pistas sobre seu paradeiro. Sem alternativa, dorme nas ruas e se junta a um grupo de amigos irreverentes e encrenqueiros. Sua vida muda drasticamente ao conhecer Ronaldo, um homem mais velho que o acolhe, combinando elementos de atração sexual, aprendizado e parceria no trabalho como forma de sobrevivência. Este vínculo se torna o coração emocional do filme.
Dinâmica de personagens opostos
A diferença de idade de mais de duas décadas entre os dois protagonistas, é um dos aspectos mais bem explorados do filme. Ronaldo, apesar de ser o mais velho, exibe uma vaidade juvenil, se gabando de sua aparência e desejabilidade, características que sugerem uma adolescência tardia. Ele vive uma vida aparentemente organizada, mas sustentada por um alicerce frágil de negócios ilícitos. Uma perspectiva que reflete um fenômeno comum entre a comunidade LGBTQIA+, que muitas vezes não têm a oportunidade de vivenciar uma juventude desregrada como seus pares heterossexuais, devido às pressões sociais e culturais.
Os protagonistas, ambos em suas estreias no cinema, entregam interpretações contrastantes e complementares. Uma personalidade endurecida e aparência de escultura grega, que contrasta com um jovem de charme cativante, cheio de nuances e contradições. A direção de Caetano, sempre cuidadosa e nunca indulgente, trata com sensibilidade a onipresença de sexo e drogas no enredo, mantendo o foco nas relações interpessoais. O filme mergulha na alegria queer em diferentes formas, desde a “família escolhida” de Baby, composta por jovens gays que dançam nas ruas, até a dinâmica familiar de Ronaldo com Priscilla e seu filho.
Estética que traduz vulnerabilidade
A estética do filme se destaca pelo uso de uma câmera voyeurista e discreta, que traduz a necessidade de os personagens se exporem e se esconderem nas sombras da sociedade. Momentos com o grupo de amigos, por exemplo, são frequentemente filmados de longe, como se o público fosse um observador casual na rua. O filme humaniza seus personagens ao mesmo tempo, em que revela os desafios e belezas de suas realidades, transformando a experiência do espectador em algo tanto íntimo.
A direção de Caetano evita glorificar ou romantizar a miséria, mesmo enquanto constrói um universo com regras e dinâmicas próprias. Ele evita simplificar ou julgar seus personagens. Em vez disso, o filme se empenha em revelar a complexidade das escolhas feitas por aqueles que vivem à margem, onde a sobrevivência depende de conexões momentâneas, mas significativas. Os espectadores são convidados a testemunhar a interseção de vidas como amigos, amantes e colegas de trabalho, cada um vivendo da melhor forma que sabe.
Uma carta de amor a São Paulo
À medida que o protagonista se torna mais ambicioso e começa a escapar, o lento declínio do homem mais velho é capturado por Teodoro. Visualmente, as cenas são uma carta de amor a São Paulo. O uso de LEDs, fachadas chamativas e uma estética urbana quase nostálgica transportam o espectador para um espaço onde os cenários noturnos se tornam tão protagonistas quanto os personagens. O tempo é sempre feito para destacar a cidade, por meio de um enquadramento impressionante. Eles têm um gosto particular pelas fachadas de lojas cafonas, mas charmosas, da cidade, que misturam os leds de fachada, com visitantes noturnos e sem rumo e sem sofisticação em seus figurinos.
O Veredicto
Baby é um retrato sensível e afirmativo da busca de um adolescente por pertencimento e conexão nas ruas de São Paulo, equilibrando dor, desejo e momentos de liberdade. O filme explora a fluidez das relações familiares e a aceitação da diversidade sexual, enquanto chama a atenção para questões como violência e exclusão social. A cena final encapsula o espírito da obra: uma celebração da juventude, da liberdade e das conexões humanas. Wellington e seu grupo, dançando, rindo e pulando, encontram no momento um refúgio do mundo lá fora. Mesmo em meio à turbulência, o filme nos lembra que sempre há algo a ser comemorado — mesmo que seja apenas o instante em que se sente vivo.